Dar o nome a uma rua, um bairro, uma praça ou para qualquer coisa, é uma soma de fatores: mérito deve ser o fundamental, ainda mais quando envolve espaços públicos. Mas, como tudo é política, há esse peso a considerar.
Quando, ao reinaugurar o Parque Centenário em janeiro de 2020, o batizou de Parque Altair Guidi, o prefeito Clésio Salvaro fez um gesto para a história. Começou o pagamento de uma dívida de Criciúma com antigos personagens, dívida que persiste em casos pontuais e importantes (assunto para mais tarde). Fora que fez um belíssimo parque, o melhor dos três, sem detrimento às boas virtudes dos Imigrantes e Nações.
Mas foi um gesto político também. Aceito de bom grado pela família Guidi. "Nos sentimos honrados e agradecidos ao prefeito Salvaro", disse, há poucos dias, a viúva Sandra Zanatta Guidi em entrevista à Rádio Cidade em Dia.
Parque da Prefeitura: não é acaso
Pois, de dias para cá, começou a se perceber um movimento curioso oriundo do Paço. O Parque Altair Guidi, chamado assim à exaustão nos últimos anos (inclusive nos comunicados oficiais) passou a ser nominado "Parque da Prefeitura". Isso está ali, em matérias recentes postadas no site e nas redes sociais do Município.
Isso não é fruto do acaso. É uma evidente estratégia de não evidenciar o nome "Guidi" por razões eleitorais. No Paço, 10 em cada 10 pessoas sabem que Ricardo Guidi, o filho do saudoso homenageado, é o principal obstáculo no caminho de Clésio Salvaro para fazer do seu escolhido, Arleu da Silveira, o sucessor.
Mas a comunicação do Município já encontrou uma saída para isso. Está lá, em postagem deste sábado na rede social @prefcriciuma: "Criciúma é tudo de bom no final de semana, e eu posso provar", legendando uma boa produção que mostra as belezas de nossos parques. Tanto no vídeo, quanto no texto, ali está "Parque da Prefeitura".
Entre os muitos comentários, um de William Nunes, liderança comunitária em Criciúma: "Não é mais Parque Altair Guidi?". Eis a primeira resposta do perfil @prefcriciuma: "é tanta coisa boa que o nome é o de menos! Viva Criciúma!". William contrapôs: "se fosse de menos, o governo não faria um projeto de lei colocando o nome do parque em homenagem ao seu Altair Guidi, que fez o parque nos anos 80".
E a tréplica do @prefcriciuma: "eu entendo a sua preocupação. Aliás, o nome Parque Altair Guidi substituiu o antigo nome Parque Centenário em 2020, durante a gestão atual. Oficialmente, todos os parques possuem nomes que não são comumente relacionados ao local pela população, e preferimos usar os nomes mais populares. Para mim, que sou do tempo do Parque Centenário, sempre será Parque Centenário. O importante é visitar o parque".
Na mesma postagem, entrou no debate e veio com uma ironia o diretor de Comunicação da prefeitura, jornalista Douglas Nazário: "Pra quem vem de fora, pelo litoral, e tá com dúvida de como chegar no Parque da Prefeitura, Parque das Nações, Parque Astronômico Municipal e Mina de Visitação, só pegar a Rodovia Governador Mário Covas e depois entrar na Via Aristides Bolan. Facinho! É um na sequência do outro". O colega, naturalmente, referia-se à BR-101 e à Via Rápida no tom empregado para justificar a mudança que, deliberadamente, o Município está fazendo no nome do parque sob a mesma gestão que o batizou.
Cabe pontuar aqui: está evidente a motivação política para a súbita mudança na estratégia de divulgação do parque. A atual administração reconhece a força do nome Altair Guidi e o quanto a manutenção da divulgação do mesmo pode ter peso no cenário que vem por aí. Mas, em nome de tal estratégia, comete um duplo atentado: já violou o nome original, Parque Centenário (o que certamente Altair Guidi já não teria gostado) e agora esconde Altair Guidi. Já que o @prefcriciuma é do tempo do Parque Centenário, por qual razão não o chamam assim, então? Ficaria estranho, né. Afinal, como anunciado pelo próprio @prefcriciuma, houve uma substituição em 2020. Mas, a bem da verdade, não houve uma substituição, mas sim um acréscimo: o nome do lugar é Parque Centenário Altair Guidi, mas isso não é "nome popular", como reconhece o próprio Município.
Parque Altair Guidi em Forquilhinha
E Forquilhinha entrou na história. Na sexta-feira à noite, durante o ato de entrega da ordem de serviço para desassoreamento do Rio Sangão, e diante da presença do deputado Ricardo Guidi, o prefeito José Cláudio Gonçalves, o Neguinho, lascou para surpresa de todos: "amanhã vamos lançar a obra do nosso parque, que vai se chamar Parque Altair Guidi".
E o lançamento aconteceu. Neste sábado pela manhã, Neguinho discursou ao lado de Ricardo Guidi e, ali, entregaram a ordem de serviço para construir o Parque Altair Guidi que, originalmente, chamaria-se União das Famílias. Fica em ampla área no Bairro Nova York, tem clara e reconhecida inspiração nos parques de Criciúma e terá investimento de R$ 3.362.096,28.
E como tudo é política, onde quis chegar Neguinho? Ele é PSD, tanto quanto Salvaro, tanto quanto será Arleu da Silveira, tanto quanto é Ricardo Guidi. Salvaro, vide Arleu, e Guidi disputam a sigla para a candidatura à prefeitura ano que vem. E Neguinho, pelo visto, toma partido. Neguinho é tão ligado à liderança do deputado Júlio Garcia quanto Salvaro é. E, ao colocar Forquilhinha nesse embate, entra numa que, a rigor, não lhe pertenceria.
E essa é de facílima explicação: Altair Guidi enfrentou movimentos de emancipação do então distrito de Forquilhinha já no seu primeiro mandato. Mas a mobilização mais organizada tomou corpo nos anos 80, ainda sob a gestão José Augusto Hülse, e embalou de vez na volta de Altair Guidi ao Paço. Tanto que se efetivou em 26 de abril de 89. Altair era contra. Nunca escondeu isso. Entendia que Criciúma não poderia perder tanto território.
Logo, do ponto de vista histórico de Forquilhinha, a homenagem a Altair Guidi é sim questionável. Palavras do presidente da Comissão de Emancipação e primeiro prefeito da história do Município, Vanderlei Ricken: "É um completo despropósito. O Altair pode até merecer todas as honras em Criciúma. Mas, em Forquilhinha, isso tem o efeito de um tapa na cara de todos que se empenharam pra criar o município. Concordar com isso é o mesmo que beijar a ponta do chicote do açoitador".
Ricken frisa à coluna que não quer agredir a memória de Altair Guidi. Quer apenas reposicionar a história.
No seu discurso de lançamento do Parque Altair Guidi em Forquilhinha, o deputado Ricardo Guidi enalteceu os feitos de seu pai pelo antigo distrito, lembrando que ele administrou a localidade por alguns anos, enquanto prefeito de Criciúma por dois períodos, até a emancipação: "meu pai fez mais de 35 praças em Criciúma, a principal delas era o Parque Centenário (...) que recentemente o prefeito Salvaro fez uma revitalização e, por reconhecimento, trocou o nome (...), ficamos muito contentes e vemos que aqui em Forquilhinha a história se repete".
Neguinho já vem enfrentando alguns dissabores por conta da iniciativa. Internos (eis o claro recado de Vanderlei Ricken, que é o líder maior do PDT, que foi aliado dele na eleição passada oferecendo o vice), e externos (a aguardar como a ala do PSD de Salvaro responderá a isso tudo).
Tudo isso para confirmar: tudo é política, mesmo quando há méritos. Que o digam as histórias dos parques Altair Guidi de Criciúma e Forquilhinha.
Denis Luciano
Denis Luciano é jornalista e radialista com 28 anos de experiência em rádio, TV, jornal e web em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, além de professor universitário. Apresentador e coordenador da Rádio Cidade em Dia.
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