Ninguém da vila vai lá. Eu não sei do que eles têm tanto medo. É só um buraco, não é?
A minha vila é composta por cabanas de madeira e palha; a grama é vasta e muda com a estação. Mas o que mais chama a atenção dos viajantes e mesmo das vilas vizinhas são os tecidos coloridos com padrões geométricos ou animalescos.
A matriarca de cada família quem os produz e cada menina faz o seu próprio tecido.
O meu é um tecido de fundo rosa-forte, quase púrpura, com colunas em forma de diamantes sobrepostos com as cores azul, dourado e preto.
A escolha das cores e formatos é algo instintivo, não lógico. Quando a minha mãe deu-me os materiais, eu apenas os olhei e decidi o que fazia sentido ou não na composição da costura.
Os significados e simbolismos eu deixo para os estudiosos. Gosto da força emanada pelo desconhecido que vem da minha obra.
Mas voltando ao buraco...
Ele é como um lixo. Nele vai coisas que não queremos mais, além de animais que caem em nossas armadilhas.
O buraco é tão grande que não consigo ver o fundo. O que será que tem lá?
Às vezes, passo horas olhando para o buraco e ele olha para mim de volta. Estamos nos comunicando.
Minha mãe e minhas tias vivem preocupadas comigo, dizendo que a minha mania de olhar para o buraco impede-me de ser uma boa mulher.
Mas o que é ser uma boa mulher? Eu não sei e quando faço essa pergunta para as meninas e moças da vila, todas elas falam de particularidades como beleza, cuidado, casa, prole, família.
Apenas a anciã deu-me uma resposta diferente: ser mulher é ser vida, ser natureza.
Se ser mulher é ser vida ou mesmo natureza e a minha natureza diz que devo contemplar o buraco em tempos de introspecção, não estaria eu já sendo uma boa mulher?
Mas não vou mentir, há dias em que eu tenho um pouquinho de medo do buraco.
Ou será medo de mim mesma, tão frágil como um dente-de-leão, que com um sopro, posso ser levada para longe, longe e não saber onde pousar?
Não sei. Acho que tenho que conversar mais com o buraco.
Jornada pela Expressão Humana
Érica Favarin Dandolini cursa Cinema e Audiovisual na Universidade do Sul de Santa Catarina. Estagiária do Portal SCTodoDia desde 2022, já produziu podcasts e pequenos noticiários para o site. Atualmente, cuida das redes sociais, além de ser escritora de crônicas, contos e poemas.
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