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Quinta-feira, 30 de novembro de 2023

COLUNISTAS

Érica Favarin

Histórias para dias em que o sol não aparece

08/09/2023 09h55 | Atualizada em 08/09/2023 12h57 | Por: Érica Favarin

Casal na Ponte
Ela apoia a cabeça no ombro dele. As ondinhas do rio poluído entregam o tempo frio e nublado daquele dia. 

Ele olha para baixo. "Será que há um futuro para nós?" Não que ele duvidasse dos seus sentimentos por ela, mas sabe como é, o futuro é tão incerto.

"E se ela gostar de outro? E se ela achar um emprego bom e for para longe? E se os pais dela não gostarem de mim? E se..." 

A garota de cabelo liso, curto e vermelho o cutuca. 

"No que cê tá pensando tanto, hein?" Ela interroga o rapaz com um olhar curioso e triste. 

"Nada não, bobagem minha. Ouvisse a música que te mandei ontem?" Ele desvia do assunto abruptamente. 

"Ouvi, muito boa. Gosto das suas recomendações. Depois me manda mais." Ela sorri fofo para ele.

Pode deixar, quando chegar em casa mando". 

Eles ficam em silêncio. Não é tão constrangedor como soa, porque eles têm uma certa intimidade, a qual não permite revelar sentimentos e medos (mais por uma questão de insegurança do que de confiança), mas o suficiente para curtirem a presença um do outros sem encher o ar de palavras.

Eles estão de mãos dadas. O vento gelado arrepia os pelos do corpo de ambos. A paisagem urbana e bagunçada da cidade com seus grafites e folhas jogadas após um dia chuvoso enfeitam o ambiente.

Ela poderia ir embora. Ele pode ir embora. Talvez estudar, trabalhar, jogar, comer, dormir. É tanta coisa para fazer e eles estão parados ali, juntos, deixando o tempo escorrer como rio diante deles.

Mesmo que os ventos, o tempo, as estações, as pessoas e a vida mudem, naquele momento, eles estão ali porque sim, sem precisar de conceitos complexos de relações humanas ou obrigações. 

Que nós possamos ter um pouco de paz, apesar das nossas dúvidas, para apreciar o momento, assim como o casal na ponte.

Embaixo do guarda-chuva
Eu o vi parado na calçada, com o guarda-chuva na mão, esperando no meio de uma chuvarada. Ele olha para esquerda, no caso, para entrada da escola. Eu sei que ele está esperando por ela, assim como estou esperando pela minha mãe que está atrasada. 

Eu o admiro de longe. Na verdade, só conversei com ele uma única vez durante uma confraternização entre turmas da mesma série. Conversa rápida, só cumprimentos e apresentações.

Eu gosto dele muito antes disso. Quando foi a primeira vez? Eu não me lembro, gostar dele para mim é tão natural como se eu tivesse feito isso a vida toda. 

Ele é apenas uma imagem rasa, doce, gentil e falsa na minha cabeça, mas eu não quero quebrar essa ilusão. Não há por quê.

Sobre a garota que ele está esperando... É a namorada dele, ou ex, nunca sei, eles vivem terminando e voltando. Pelo que as minhas amigas falaram, ela o faz de gato e sapato enquanto pega outros caras mais velhos, mas ele sempre perdoa porque não suporta a ideia de perdê-la.

Ele continua lá. Esperando. Os pingos de chuva batem no tecido acima da cabeça dele com violência, como se o punissem por tanta estupidez. 

Coitado, eu quero abraçá-lo e dizer que está tudo bem, que ele consegue se livrar dela, que ele não precisa ser forte o tempo todo, que ele não precisa ser o homem que ela tanto quer, porque, no fundo, ele ainda é só um garoto. 

Ela aparece. Faz carinha de choro e une as mãos em frente ao peito em formato de prece, como se pedisse desculpas por algo.
O olhar dele para ela é vazio. Nem mesmo um sorrisinho. Ela desfaz o teatro e estranha. Ele sussurra algo baixinho. Ela fica brava e bate nele. Ele diz algo mais enquanto olha para baixo e ela sai de perto dele irritada. 

Ele suspira e joga a cabeça para trás com os olhos fechados. Alívio? Arrependimento? É difícil dizer.

Será que esse é o momento de eu agir? Junto minhas forças, fecho os meus olhos e faço uma prece mentalmente. 

Vou em direção a ele. Não diretamente, mas eu caminho como se quisesse ir a algum lugar e raspo o meu guarda-chuva no dele de leve. 

Isso chama atenção. Ele se vira para mim. Eu peço desculpas e pergunto se está tudo. Ele nega com a cabeça, mas sua expressão facial diz outra coisa. Digo que se ele quiser desabafar com alguém, poderia ser comigo, pois às vezes é melhor conversar com estranhos do que com amigos. Ele não parece acreditar muito na ideia, mas concorda em ir comigo para um café próximo dali. 

No café, ele faz o pedido dele. Eu faço o meu. Ele gosta de coisas amargas aparentemente. Já eu, prefiro um bom açúcar. Ok, até agora, os opostos se atraem, não é mesmo? 

Ele hesita antes de falar sobre a ex, mas depois que começa, um dilúvio de palavras sai de dentro dele e uma lágrima escorre. 

Eu pego um guardanapo e aproximo o papel do rosto dele com receio. Ele dá um sorrisinho e se estica timidamente. Eu enxugo a lágrima e nos olhamos por um tempo, até que a vergonha bate. Eu fecho os olhos e penso em como aquele momento é bom. É o início de algo, eu sinto. 

Abro os olhos. Voltei àquele momento em que ele se encontra com os olhos fechados e com a cabeça para trás no meio da chuva. 

Tudo não passou de um sonho breve que tive enquanto tentava tomar coragem. 

As roupas deles já estão encharcadas, pois a chuva e o vento continuam fortes. 

Será que ele não tem ninguém? Nunca vi mãe, pai ou qualquer adulto vir buscá-lo. 

Sozinho. Ele está sozinho e eu não posso ajudá-lo, porque qualquer aproximação repentina seria estúpida e vergonhosa. 

Minha mãe finalmente chegou. Ela berra para eu entrar no carro logo. Dou os poucos passos necessários para chegar ao veículo de costas, pois não quero parar de vê-lo. 

Ao entrar no carro, colocar os fones de ouvidos, ignorar os sermões de minha mãe e olhar pelo vidro de trás do carro, a única certeza que eu tenho é que nunca serei a garota embaixo do guarda-chuva dele.

Érica Favarin

Jornada pela Expressão Humana

Érica Favarin Dandolini cursa Cinema e Audiovisual na Universidade do Sul de Santa Catarina. Estagiária do Portal SCTodoDia desde 2022, já produziu podcasts e pequenos noticiários para o site. Atualmente, cuida das redes sociais, além de ser escritora de crônicas, contos e poemas.

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