Sábado, 27 de abril de 2024

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Paulo Monteiro

Em Priscilla, Sofia Coppola mostra sonhos e abusos vividos pela companheira de Elvis Presley

14/03/2024 17h40 | Por: Paulo Monteiro
Foto: Reprodução

Depois de algumas semanas já estabelecida em Graceland, a glamorosa mansão em Memphis que Elvis Presley comprou para viver ao lado de sua família, Priscilla tem uma das poucas oportunidades de deixar a propriedade ao lado de seu companheiro. A jovem, ainda uma adolescente na ocasião, vai a uma loja de roupas provar vestidos. Entre uma peça e outra, ela aparece com uma veste estampada e reforça aos que ali estão que gostou da mesma. A câmera corta para o Rei do Rock que, largado em um sofá ao lado de seus amigos, muito mais velhos do que a sua companheira, protesta: “marrom não fica bem em você, me lembra o exército”.

As características dessa cena, que mescla o glamour dos vestidos provados por Priscilla com o comportamento abusivo de Elvis, funciona como um pequeno recorte do que é o filme de Sofia Coppola - tanto em termos estéticos quanto de tom.

O ciclo de vícios e abusos vividos por Priscilla não é uma novidade para quem conhece, mesmo que minimamente, a história de Elvis. No entanto, nunca foi o centro do retrato sobre o Rei do Rock - que, em diversas ocasiões, teve a sua vida e obra destrinchada no cinema e na TV.

Sofia Coppola, no entanto, trata de fazer essa correção quase que histórica com o filme Priscilla (2023). A diretora se agarra a figura problemática de um ícone da música para contar a história de sua companheira que, em longas como o de Baz Luhrmann, por exemplo, funciona apenas como uma escada para o protagonista.

Aqui, o foco é Priscilla e a sua visão sobre a relação abusiva na qual se submeteu (ou foi submetida) durante os anos em que esteve ao lado de Elvis. Uma história de amor e abuso que às vezes soa de maneira sútil, mas que aos poucos vai saltando aos olhos do espectador e também da personagem.

Tendo a própria Priscilla Presley como produtora executiva, o filme é uma biografia que se destaca pela sutileza e sobriedade dos fatos. Sofia não quer vilanizar o Elvis, mas sim retratar aquele relacionamento pela perspectiva da mulher. A sua visão é suficiente para que possamos ver alguém que age com amor ao mesmo tempo que é extremamente controlador e que, portanto, protagoniza os abusos.

Além disso, por mais problemático que seja o relacionamento entre os dois, que se conheceram quando ela tinha 14 e ele 24, ainda assim é uma história de amor para Priscilla. Trata-se de um capítulo que tem grande significado para a personagem que dá nome ao filme, uma pessoa real.

Nesse contexto, Sofia é capaz de apresentar um retrato muito sóbrio sobre uma adolescente que se apaixona por um ídolo do Rock e se vê em uma situação improvável: a do amor correspondido. Muito jovem, ela precisa lidar com as expectativas de seus próprios sonhos ao se relacionar com uma das pessoas mais influentes da história da música.

Acontece que, ainda uma criança, Priscilla é engolida pela figura impositiva de Elvis - em um relacionamento que ao mesmo tempo que transparece amor, também transborda abuso. O filme mostra uma jovem que idealiza uma relação que é confrontada com uma dura e abusiva realidade, em que ela é obrigada, por diversas vezes, a abrir mão da própria felicidade para poder estar ao lado do Rei do Rock - que, por sua vez, parece ver nela um consolo em casa.

Apesar da excelente direção de Sofia, que tem um senso estético e moral impecável, e das boas atuações de Cailee Spaeny e Jacob Elordi, o filme peca ao não mostrar quase nada de Priscilla para além do que tem relação com Elvis. Em quase duas horas, não vemos nenhuma característica da personagem principal, como seus gostos pessoais ou objetivos de vida, que não estejam diretamente relacionados ao seu relacionamento com o Rei do Rock. Pode soar como um indicativo de que aquela relação acabou com a identidade de Priscilla, mas ainda assim faz falta.

Além disso, o longa vai de algo sóbrio e suave em sua primeira hora para um filme acelerado nos últimos 30 minutos, deixando um espaço vazio entre o meio e o final - uma lacuna não preenchida. Ainda assim, finaliza com uma sensibilidade ímpar de Sofia: o retrato de uma decisão importante, de uma personagem que entendeu e aceitou o que viveu, mas que reconhece as marcas deixadas.

Nota: 4/5

 

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Priscilla está disponível no streaming Mubi.

 

Paulo Monteiro

Cinema em Cena

Paulo Monteiro é repórter da Rádio Cidade em Dia, de Criciúma, jornalista profissional e um apaixonado pelo mundo do cinema e cultura pop. Com passagens por veículos de imprensa de Criciúma, já escreveu sobre a sétima arte também para o Cinetoscópio e CineVitor.

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