Domingo, 05 de maio de 2024

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Paulo Monteiro

Guerra Civil usa a fotografia para discutir a desumanização do jornalista

24/04/2024 09h15 | Por: Paulo Monteiro
Foto: Divulgação

Existe uma noção comum de que uma fotografia é capaz de servir como retrato de um acontecimento histórico. Quando abrimos um livro de história, buscamos uma imagem que seja capaz de ilustrar o acontecido. Em um cenário de guerra, essa imagem costuma ser o mais chocante e gráfica possível. Acontece que, por trás da lente responsável por captar esse pequeno retrato da história, normalmente existe um jornalista, o qual passa por um processo de desumanização de si mesmo para poder fazer tal registro.

Dirigido por Alex Garland (Ex-Machina, Aniquilação e Men), Guerra Civil acompanha a jornada de quatro jornalistas: Lee Smith (Kirsten Dunst), Joel (Wagner Moura), Jessie (Cailee Spaeny) e Sammy (Stephen Henderson). O grupo encara a missão de cruzar os Estados Unidos, passando por cenários de conflitos e destruição, para tentar uma entrevista exclusiva com o presidente, naquela que pode ser a sua última declaração - visto que a guerra se encaminha para um fim, com os separatistas próximos de uma vitória.

Lee é uma renomada repórter fotográfica, com experiência na cobertura de guerras. Joel é um jornalista persuasivo, atento aos detalhes que podem ajudar a contar a história que ele pretende. Sammy é um jornalista já idoso, porém extremamente experiente, que exala uma sabedoria quase cômica. Jessie é uma jovem que sonha em ser fotojornalista de guerra, mas que precisará passar por cima do seu próprio estômago para isso.

A melhor coisa de Guerra Civil é certamente a maneira como o filme constroi essa discussão sobre a desumanização do jornalista. Alex Garland encara essa mudança como um processo, que é resultado de uma dormência. Quanto mais exposto a tragédia os personagens estão, mais dormentes eles ficam - consequentemente, mais desumanos. Mas o que exatamente é essa humanidade que eles perdem? Será que ela existe?

Foto: Divulgação

Esse dilema é construído a partir do desenvolvimento de duas personagens, mas também em detalhes que se desenrolam ao fundo da história. Lee não tem receio de chegar o mais perto possível do corpo de uma pessoa recém morta para fotografá-lo, visto que já viu essa cena diversas vezes enquanto fotojornalista de guerra. Jessie, por sua vez, se sente tão abalada sempre que presencia uma tragédia que não consegue fotografar. Na medida em que vai sendo exposta as atrocidades da guerra, no entanto, deixa de ser afetada por aquela situação e passa a se preocupar quase que exclusivamente com a imagem. Por fim, os papeis acabam se invertendo. 

Garland é extremamente certeiro na forma como retrata essa “desumanização”. Enquanto civis e militares se agridem em uma praça, dois jornalistas de redações diferentes conversam e riem ao fundo. Eles já viram essa chocante cena antes, então não são mais afetadas por ela. Talvez a forma de serem capazes de encararem tal situação, inclusive, seja deixando de ligar. Isso muda, no entanto, quando a tragédia atinge os seus.

Para retratar esse processo de desumanização, o cineasta usa a composição da cena, a transição do som - que sai de um tiro estridente para uma música animada em questão de segundos - e, principalmente, a imagem. As fotografias de Jessie irão ajudar a contar essa história - tanto da guerra civil dos EUA, quanto a sua própria enquanto fotojornalista.

Para isso, no entanto, o diretor abre mão de lhe dar quaisquer maiores informações sobre o contexto de guerra no qual aqueles personagens estão inseridos. No filme, o que importa é o agora - o que aconteceu antes e o que irá acontecer depois daquela história não parece ser uma preocupação. Com isso, Garland mergulha em discussões sobre polarização e nacionalismo que pautam com frequência o dia-a-dia estadunidense já há alguns anos, mas sem nunca atingir o fundo dessa proposta. Faz apenas uma pincelada sobre um assunto difícil de se resolver em pouco mais de uma hora e meia.

Ainda assim, Guerra Civil se apresenta como um suspense extremamente eficaz. A discussão sobre a desumanização do jornalista certamente bate diferente para quem está inserido no meio jornalístico, no qual me incluo. Além disso, Garland faz do conflito uma ameaça tão grande, possível e plausível, que por vezes parece que estamos assistindo a um longa de terror. 

Nota: 4/5

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Guerra Civil está disponível nos cinemas. Confira o trailer:

 

Paulo Monteiro

Cinema em Cena

Paulo Monteiro é repórter da Rádio Cidade em Dia, de Criciúma, jornalista profissional e um apaixonado pelo mundo do cinema e cultura pop. Com passagens por veículos de imprensa de Criciúma, já escreveu sobre a sétima arte também para o Cinetoscópio e CineVitor.

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