Já fui muito ligado em futebol, afinal, qual o guri brasileiro, que na década de sessenta, não tinha este esporte como preferência número 1? Bastava aparecer uma bola, que podia ser até feita de uma meia recheada de jornal, para que fossem escolhidos dois times (sendo sempre escolhidos por último os ruins de bola, os “feridas”) e o jogo começasse, somente terminando em duas situações: quando anoitecia e não se enxergava mais a bola, ou a mãe de um dos jogadores gritasse “fulano, já para casa”.
Durante toda a minha juventude, e boa parte da vida adulta, mantive contato com o futebol, seja com a turma que jogava junto uma vez por semana, seja acompanhando o time do coração presencialmente, no estádio, ou a distância, pelo rádio ou tv, quando os jogos eram no interior do estado. Até levei a ligação com o esporte um pouco mais longe, cursando a formação de árbitro, junto à Federação Gaúcha de Futebol, e apitando jogos da segunda divisão gaúcha durante um ano.
Depois, progressivamente, fui perdendo o vínculo com o esporte, em parte por falta de tempo, por causa do trabalho, mas também pelo desencanto com a realidade do futebol no Brasil. Eu sou do tempo em que os jogadores (ou pelo menos boa parte deles) tinham uma ligação meio amadorística com os times, situação que, a partir da hipervalorização dos salários, acabou praticamente desaparecendo. Hoje, meninos de 12, 13 anos, ou até menos, já estão sendo observados por clubes estrangeiros, e eles mesmos usam os clubes como um estágio rumo às grandes equipes mundiais, especialmente as europeias.
A profissionalização do futebol criou uma relação completamente diferente entre jogadores e clube. Hoje, é comum o atleta declarar o seu amor por um time, beijar o distintivo, e dali a seis meses, repetir o gesto no maior rival. Ou seja, o dinheiro compra o amor. Por outro lado, a afinidade do torcedor com o time continua igual, com muita gente pautando a sua vida pelo que acontece com o clube.
Porém, uma outra consequência que esta vinculação exagerada com o time do coração traz, por causa da polarização que atualmente se espalha por todos os setores da sociedade, é o posicionamento cada vez mais radical de tudo aquilo que diz respeito a um clube. Enquanto os jogadores tornam-se cada vez mais profissionais, dando à instituição aquilo para o qual são pagos, isto é, os serviços dentro de campo, fora dele os torcedores assumem posturas agressivas, chegando a extremos. Um exemplo disto aconteceu na semana passada, após o Palmeiras perder na decisão do campeonato mundial de clubes. No final da partida, realizada do outro lado do mundo, torcedores pró e contra o time alviverde, aqui no Brasil, envolveram-se em diversas brigas, sendo que duas acabaram com vítimas fatais.
Na antiguidade, gladiadores combatiam em arenas até a morte, sendo estas lutas assistidas por milhares de pessoas. Era um processo de catarse coletiva, que evitava, de certa maneira, que a agressividade se espalhasse pela sociedade. Hoje, ao contrário, os gladiadores modernos fazem o seu trabalho dentro do campo e, ao sair, deixam a rivalidade para trás. Esta rivalidade parece que é absorvida pelos torcedores, levando a situações extremas como as relatadas acima, que deixaram famílias destroçadas. A pergunta é: a troco de quê? Enquanto não houver um esforço coletivo para eliminar a polarização que assola o mundo, seremos obrigados a conviver com as batalhas dos gladiadores fora de arenas.