Domingo, 19 de maio de 2024

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Paulo Monteiro

Zona de Interesse: um retrato frio e nada apelativo sobre o horror do holocausto

05/03/2024 12h59 | Por: Paulo Monteiro
Foto: Reprodução

Indicado ao Oscar de 2024, filme faz do som e dos detalhes personagens essenciais para contar história dura e indigesta

Lá pelos 20 minutos de Zona de Interesse, um dos personagens principais do filme, o oficial nazista alemão Rudolf Ross, ascende um charuto em seu jardim. Ele havia acabado de jantar com sua família e descera as escadas para apreciar o quintal e o gosto do cigarro. Com planos abertos, vemos e ouvimos tudo ao seu redor - das fumaças pretas que saem das chaminés ao fundo, para além dos muros, até os gritos que se misturam com barulhos de armas e máquinas. São apenas cinco takes fixos, imóveis, capazes de funcionar como uma amostra da história que ali está sendo contada - mas, principalmente, como está sendo contada. 

Indicado ao Oscar de Melhor Filme, Melhor Filme Internacional, Melhor Direção, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Som, Zona de Interesse é um retrato frio e nada apelativo sobre o horror do holocausto na Segunda Guerra Mundial. A maneira como o longa se propõe a fazer isso pode parecer simples, mas carrega uma complexidade e ousadia que poucos diretores teriam ao entrar em um assunto tão sensível, marcante e horrível da história da humanidade.

O longa, dirigido pelo cineasta britânico Jonathan Glazer, retrata o dia-a-dia de uma família alemã nazista que vive do outro lado dos muros de Auschwitz - o maior e mais simbólico complexo de campos de concentração do Nazismo. E, ao contrário de outros tantos filmes que tentam abordar os horrores da Segunda Guerra, aqui o mal é contado a partir das sugestões e do retrato da banalidade, que contrasta com o contexto conhecido. 

Sabendo disso, é possível se perguntar: como um filme que acompanha a rotina de uma família nazista pode ser capaz de transmitir o peso da tragédia do holocausto sem errar, construir afeto ou fazer da dor um espetáculo? Para Glazer, parece simples: criando a distância necessária do retrato, fazendo com que o som e as imagens ao fundo contem essa história. 

Uma das características mais impressionantes de Zona de Interesse é a maneira como iremos acompanhar os personagens nazistas ao longo do filme. Em uma abordagem talvez mais tradicional, teríamos imagens dos oficiais alemães açoitando os judeus, como de fato acontecia à época, e fazendo da dor e do choque desse retrato o ponto de partida para que entendêssemos que aquelas figuras são malignas.

Glazer, no entanto, não precisa explorar visualmente a dor dos judeus para nos mostrar isso. Na verdade, ele sequer os mostra em tela. Nenhuma morte ou açoitamento é visto, assim como nada do campo de concentração, para além do que é possível ver ao horizonte acima do muro, aparece em Zona de Interesse. Ao invés disso, o diretor usa o som e outros detalhes para criar o desconforto. 

Um dos grandes acertos do longa indicado ao Oscar é a distância com a qual os personagens são filmados. Não temos planos fechados, que sejam capazes de aproximar o espectador do rosto dos membros da família nazista e, portanto, criar uma espécie de afeição por eles. Pelo contrário, sempre que Rudolf, Hedwig e os demais aparecem em cena, é por meio de planos abertos ou, no máximo, médios. Dessa forma, nunca estaremos verdadeiramente próximos daqueles que, na história, articulam o holocausto.

Isso faz com que o filme transmita uma frieza necessária e assertiva. Mesmo os momentos em família, onde onde o pai leva seus filhos para o rio e as crianças estão felizes, não são capazes de nos transmitir felicidade. Afinal de contas, Glazer não quer com que criemos empatia por aqueles personagens - por mais que eles sejam o fio condutor da história.

Outro artifício muito bem utilizado pelo diretor para contar essa história é o contraste e a banalidade. Os momentos felizes da família Ross são em um quintal que fica há poucos metros de um campo de concentração - e isso é de um peso gigantesco. Enquanto crianças brincam em uma piscina, basta a câmera subir um pouco para ver o verde do jardim contrastar com o cinza das estruturas que fazem parte de Auschwitz - cujo significado, todos conhecemos. 

É ali naquele jardim, há não mais do que duas portas de Auschwitz, onde o oficial aprecia o seu momento de descanso e serenidade, com um charuto em mãos, enquanto os sons dos campos de concentração tomam conta do ambiente e a fumaça dos incineradores de corpos judeus aparece ao fundo. 

Além disso, o quão visceral é ver uma mãe de família ter um apego tão grande pelas flores que compõem o seu jardim, sabendo que há poucos metros dali pessoas inocentes estão sendo mortas. O diretor é capaz de nos contar tudo isso sem, nem ao menos, mostrar visualmente a morte de um judeu. Isso tudo deixa o filme ainda mais frio - como foi, de fato, esse episódio da história.

Zona de Interesse é, facilmente, um dos melhores filmes do ano. Não tem atuações de grande destaque, mas não precisa - visto que é o que está ao fundo daqueles diálogos e rostos que realmente está transmitindo a dimensão do holocausto. 

Conta com uma direção genial de Jonathan Glazer que, se não tivesse pela frente um Christopher Nolan agora querido pela Academia, poderia muito bem receber o Oscar de Melhor Diretor. Mas, com ou sem prêmios, desponta como um dos melhores e mais interessantes retratos da Segunda Guerra já feitos para o cinema. 

Nota: 5/5

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Paulo Monteiro

Cinema em Cena

Paulo Monteiro é repórter da Rádio Cidade em Dia, de Criciúma, jornalista profissional e um apaixonado pelo mundo do cinema e cultura pop. Com passagens por veículos de imprensa de Criciúma, já escreveu sobre a sétima arte também para o Cinetoscópio e CineVitor.

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