Sábado, 27 de abril de 2024
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20 anos do Furacão Catarina: o dia que os catarinenses nunca irão esquecer

Nesta quinta-feira, dia 28, o Furacão Catarina completa 20 anos

Criciúma, 28/03/2024 07h30 | Por: Caroline Sartori
Foto: Defesa Civil

A manhã do dia 28 de março de 2004 foi diferente para Irene Correa, hoje com 85 anos. A idosa é moradora de uma casa no interior de Meleiro, no Extremo Sul de Santa Catarina, e vive da agricultura. Na época, com 65 anos, ela criava alguns animais, como vacas, bois e galinhas. A residência da mulher era cercada por vegetação e muita plantação.

Era costume de Irene levantar bem cedo, por volta das 5h30, preparar o café para começar os afazeres domésticos. Mas, antes não podia deixar de tirar o leite da vaca, que fazia parte da principal refeição do dia: o café da manhã. Ao abrir a janela de sua casa naquele dia, deparou-se não com a habitual serenidade da paisagem, mas sim com um cenário de desolação e desespero. Postes caídos em sequência, como se fossem dominós e árvores arrancadas.

Um galpão onde a idosa usava para abrigar os animais, veio ao chão por completo com a força do vento. Embaixo dele ficou uma das vacas leiteiras que não conseguiu fugir a tempo. Irene precisou deixar a rotina calma e serena de lado e começar a recuperar o que foi destruído. 

“Durante a madrugada eu senti muito medo, era muito vento, parecia que ia levantar a casa. Não conseguimos dormir. Escutei muito barulho de coisa sendo derrubada e dos fios dos postes estourando. Mas, não imaginei que tinha sido tão feio até amanhecer. Pela manhã, quando eu abri a porta da casa, me deparei com esse cenário”, lembra a idosa, com os olhos marejados.

Para Irene e muitos outros moradores de Santa Catarina, acordar naquele dia não foi só uma interrupção da vida normal. Foi um choque ver como a natureza pode ser poderosa e ameaçadora para as pessoas. Vinte anos se passaram desde então, mas as cicatrizes daquele dia permanecem vivas nas lembranças daqueles que testemunharam a ira do Furacão Catarina.

Um fenômeno único
O Furacão Catarina foi um evento único e extremamente raro que atingiu o sul do Brasil entre a noite do dia 27 e madrugada de 28 de março de 2004. Originado de um ciclone extratropical, ganhou características tropicais devido a condições meteorológicas favoráveis. 

“Foi um fenômeno que deu muito ‘pano para manga’ na meteorologia pois tinham condições atmosféricas muito peculiares e extremamente raras. Foi o primeiro e único registrado abaixo da linha do equador e nessa altura dos trópicos. Tinham condições peculiares e específicas em relação à temperatura da água do mar, questão atmosférica que passou a ter uma condição muito baixa e raras, principalmente no oceano Atlântico Sul, na frente da dívida de Rio Grande do Sul e Santa Catarina”, explica o diretor de Gestão de Desastres da Defesa Civil de Santa Catarina, coronel César de Assumpção Nunes.


Foto: Imagens de satélite / Divulgação Defesa Civil SC

Inicialmente, a Agência Meteorológica Americana havia feito um alerta à Defesa Civil de Santa Catarina sobre condições meteorológicas que estavam muito distintas das normais para a época. Com o passar das horas, o alerta passa a ser outro, um ciclone que deve avançar com condições para tornar ventos cada vez mais fortes.

“A formação de um ciclone avançando para o Catarina, foi progressiva. A meteorologia não estava acreditando muito que chegasse a isso. O fato é que foram ventos extremamente extensos em dois momentos. Praticamente tivemos a passagem do furacão já tocando efetivamente na parte continental e os ventos depois das 2h40 eles sobem com intensidade de rajadas, algumas de 145, 150 e até para mais de 180km/h”, explica o coronel.

“Alertas de furacão”
O meteorologista Ronaldo Coutinho emergiu como uma voz crucial desde o início do Catarina, alertando a população sobre a chegada do furacão ao Sul de Santa Catarina. Utilizando os meios de comunicação, especialmente as rádios locais, Coutinho alertou as pessoas a permanecerem em segurança dentro de suas casas. 

Seu apelo incisivo foi um elemento vital na preparação e na resposta da comunidade diante da ameaça iminente, demonstrando o papel essencial dos especialistas em meteorologia na proteção da vida e da propriedade durante eventos climáticos extremos.

“Fui o primeiro a falar no rádio quando vi que o pessoal estava receoso. Não tinha tempo, precisava ser anunciado. Era algo muito grande que estava vindo e o pessoal não tinha muita noção. Só foram ter noção quando ele começou a chegar”, lembra.
Coutinho também relata que como as pessoas não tinham noção do que estava chegando e nunca tinham vivido algo parecido, não acreditavam em furação. Muitos até mesmo queriam registrar o fenômeno. “Tinha gente querendo ir pra praia fazer foto do furacão, mas não tinha a mínima noção do que estava vindo”, comenta.

Lembra da dona Irene, que abrimos a matéria com sua história? Ela tem sete filhos e uma delas, que mora em Criciúma, resolveu dormir na casa da mãe durante a passagem do furacão. A filha ligou para uma irmã e convidou para que as duas fossem juntas, acreditando que não seria nada muito forte.

“Minha irmã me ligou convidando e eu disse que não iria, pois o Coutinho havia dito que seria algo muito forte, que nunca tinha acontecido. Eu acreditei nele e fiquei em casa com minha família. Amarramos as janelas e ficamos ouvindo o rádio. Aqui na minha região, em Içara, não ocorreu nada de muito grave, mas no outro dia resolvemos ir para Meleiro. Quando chegamos na rua da casa da mãe, parecia cenário de guerra. O caminho todo destruído. Foi então que minha irmã disse que se arrependeu de não ter me ouvido, pois passou uma noite terrível”, lembra Nadir Correa

Coutinho lembra que a região mais atingida foi de Maracajá até Passo de Torres, no Extremo Sul de Santa Catarina, onde fica a casa de Irene.

O jornalismo não parou
Durante a passagem do Furacão Catarina, as forças de segurança atuaram fortemente para atender a população. Mas, apesar do trabalho essencial deles, teve outro setor que trabalhou muito nesse dia, o jornalismo. Os profissionais da comunicação não mediram esforços para registrar e transmitir toda a destruição do Furacão Catarina.

O cinegrafista Adailton Martinelo, que na época trabalhava no Grupo RBS, lembra detalhes daquela noite. Desde às 9 horas até às 21 horas do dia 27 de março a equipe em que Martinelo trabalhava ficou monitorando o furacão no Morro dos Conventos e Balneário Arroio do Silva.

“O furacão ameaçou sair umas 16 horas, mas não apareceu. Então a gente retornou para Criciúma, para a RBS-TV no Morro Cechinel e fomos para casa. Só deu tempo de chegar em casa, tomar um banho, que a gente ia deitar a cabeça no travesseiro para dormir, 23 horas começou, no dia 27”, lembra Martinello.



Como a equipe ficou de sobreaviso, esperando o que iria acontecer, o cinegrafista precisava retornar o mais rápido possível para a empresa. Daí em diante, Martinelo lembra de muita coisa que viu no dia e que nunca mais irá esquecer.  

“A minha casa molhava tudo e eu não conseguia sair para chegar de volta na emissora, sem energia, poste caído, árvore no meio da estrada. Mas consegui. Tinha um Gol na época, consegui chegar na TV e aí saímos para fazer as imagens. A gente se deslocou para o Pinheirinho, estava alagado ali no Paraíso, e tinha uma senhora que o Bombeiro estava removendo. Daí fomos para o ginásio municipal, que essa senhora chegou no ginásio e disse que perdeu tudo, ela chorando. Essa foi a imagem que eu lembro”, conta.

Depois, a equipe circulou em Balneário Rincão, e por Içara e, por onde passavam, era muita destruição. “Na SC-445, em Içara, os postes no meio da estrada, fiação. Seguimos a viagem até o Banheiro Rincão. Chegamos lá na rua Paraná, tinha um senhor com as duas mãos na cabeça, desesperado, que arrancava o telhado de um lado da rua e jogava na vidraça, quebrou tudo na loja dele. Cheio d'água, perdendo tudo. Na BR-101 amanhecendo, todas as árvores no meio da pista, tudo parado, muita chuva ainda. O bananal na subida do morro da Quarta Linha, tudo deitado”, lembra.

A destruição
Com ventos de até 180 quilômetros por hora, o Furacão Catarina foi classificado como um furacão de categoria 2. Causou danos significativos, destruindo 1,5 mil residências e afetando a agricultura, especialmente a produção de banana e arroz. 
Na época, 11 pessoas morreram, 14 municípios decretaram situação de Estado de Calamidade Pública e sete decretaram Situação de Emergência. Além disso, segundo dados do Banco Mundial e do Centro de Estudos e Pesquisas em Engenharia e Defesa Civil (CEPED UFSC), 250 mil pessoas foram afetadas, 26.443 desabrigados e desalojados, caracterizando 211,4 milhões de danos e prejuízos. 



“As mortes são referentes a duas embarcações que estavam na pesca e alguns não foram encontrados. Tivemos também 435 feridos, duas mil residências totalmente destruídas e 4,8 mil edificações destelhadas ou danificadas. Na época eu estava nos Bombeiros e nós recebemos pedido para reforços, pois aqueles que não foram atingidos, estavam exausto na operação”, explica o coronel.

Atuação do Corpo de Bombeiros
Durante o Furacão Catarina, a atuação do Corpo de Bombeiros foi essencial. Ficaram de prontidão, prontos para agir diante da emergência e do caos causado pela tempestade. Com bravura e dedicação, eles enfrentaram os desafios impostos pela natureza, resgatando vidas, prestando socorro e ajudando a mitigar os danos causados pelo furacão. 

O Corpo de Bombeiros demonstrou mais uma vez sua importância e compromisso com a proteção da comunidade, deixando um legado de coragem e solidariedade. O comandante do 4° Batalhão de Bombeiros Militar (4°BBM) de Criciúma, tenente-coronel Henrique Piovezam da Silveira, relembra o fato. 

“Eu lembro das cenas do caminho, árvores caindo, telha voando, e a gente desviando para chegar no quartel e prestar apoio. As pessoas tentavam fugir do furacão e nós saímos de casa para cumprir nosso juramento de prestar socorro a qualquer pessoa e fazer nosso trabalho, mesmo com o risco da própria vida”, ressalta o comandante. 

Foto: Edna Schmitz

Os bombeiros do 4°BBM, foram reunidos na tarde do dia 27 de março e ficaram sob aviso do possível fenômeno, alguns retornaram para as residências e outros já ficaram de prontidão no batalhão. “Na eṕoca eu e meu pai, que também era bombeiro, morávamos perto do quartel. Nós voltamos para casa depois do alerta e por volta da meia-noite, ligaram pra gente pedindo apoio”, comenta o tenente-coronel Henrique. 

Segundo o sargento Cristiano Bernardo da Conceição, que na época atuava no quartel de Araranguá, eles só se deram conta das proporções do estrago causado pelo vento no dia seguinte. “Por um momento o vento parou, pensamos que o pior havia passado. Foi então que recebemos uma ligação de Florianópolis avisando que estávamos no olho do furacão e que começaria o vento outra vez, desta vez do lado oposto”, conta o sargento.

Além do trabalho durante a tempestade, a corporação desempenhou um papel fundamental na fase de recuperação pós-desastre. “Vieram equipes de outros batalhões para ajudar. O que a gente fazia era trabalho de limpeza, corte de árvores, mas até a gente conseguir chegar e ter acesso a esses locais, era uma cena de outro mundo. Tudo estava devastado, principalmente nas cidades do extremo Sul Catarinense”, salienta o subtenente Dalcionei Valim. 

De acordo com o subtenente Carlos César da Silva, o Corpo de Bombeiros não tinha recursos suficientes na época para lidar com uma ocorrência daquela magnitude. “Hoje cada bombeiro tem o seu próprio equipamento individual, naquela época era tudo mais precário. Poucas viaturas, ferramentas, era uma catástrofe muito grande para a nossa estrutura. Agora com o avanço da tecnologia é mais fácil a gente se preparar para um cenário daquele”, reforça. 
O que mudou depois do Furacão Catarina

O impacto do Furacão Catarina não se limitou apenas aos danos materiais. Esse evento também destacou a necessidade de melhor compreensão e preparação para fenômenos meteorológicos extremos em Santa Catarina, já que não havia estrutura de Estado preparada para atender o ocorrido. 

“Tanto o Furacão Catarina em 2004, quanto o desastre do Morro do Baú em 2008, foram, sem dúvida nenhuma, os grandes responsáveis por toda reestruturação da Secretaria a partir de 2011, como antena para receber imagens de satélite, cobertura de 100% do território catarinense com radares, profissionais trabalhando 24 horas por dia, sete dias na semana”, destacou o secretário de Estado da Proteção e Defesa Civil, coronel Fabiano de Souza.

Atualmente, o Centro Integrado De Gerenciamento De Riscos e Desastres (Cigerd) da SDC está equipado e preparado para fornecer os dados que forem necessários em caso de outro fenômeno meteorológico extremo. “Hoje nós temos uma estrutura técnica, um corpo técnico muito bem montado para gerenciamento de risco, a gente tem também a gestão do desastre e temos um corpo bem técnico multidisciplinar para o monitoramento, que funciona 24 horas. Nós temos climatologistas, meteorologistas, oceanógrafos, geógrafos, cartógrafos, engenheiros hidrólogos, toda uma equipe integrada para entender a movimentação atmosférica e também na planície, entendendo como se dá essa movimentação e os riscos à população. Qualquer sinal de furacão hoje, nós temos uma equipe que vai conseguir antever e, a partir de toda essa estrutura, a gente tem os coordenadores regionais que vão multiplicar a informação à população através da sua estrutura de contato com prefeitos e coordenadores municipais.”, o coordenador regional de Defesa Civil, Rosinei da Silveira.

O nome do furacão
Na América Central e na América do Norte, o fenômeno furacão é algo frequente, por isso os norte-americanos seguem uma sequência e escala com regras para nomear tempestades. 

Essas regras, na época, não valiam por aqui. Por isso, dar nome ao fenômeno que atingiria o Sul catarinense em março de 2004 ficou a cargo da equipe de  meteorologia da Epagri/Ciram que nomeou o Catarina. 

A lista de possíveis nomes foi variada. Mas como a trajetória do furacão seguiria o Litoral de Santa Catarina, a equipe limitou as possibilidades a duas: Anita ou Catarina.

Defesa Civil antes e depois
A Defesa Civil em Santa Catarina foi oficialmente estabelecida e organizada em 1973, no governo de Colombo Machado Salles, por meio da Lei nº 4.841. Foi apenas em 2011, no entanto, que a Defesa Civil ganhou, por meio de uma lei complementar, seu status de Secretaria de Estado. “Após um grande evento climático, de chuvas e enchentes em 2008, foi montado um grupo técnico, que estudou as ações a serem realizadas em 2009 e 2010. A elevação [do status] foi fruto do ocorrido em 2008 e desses estudos técnicos”, explica o secretário de Estado da Proteção e Defesa Civil de Santa Catarina, Fabiano de Souza.

Segundo o secretário, a Defesa Civil atual é resultado dessa reforma administrativa e de uma reformulação do Sistema Estadual de Proteção e Defesa Civil, por meio de legislações posteriores. Mas para ele, o Furacão Catarina, em 2004, já demonstrava a necessidade de instrumentalização mais tecnológica e de técnicos mais capacitados para prever fenômenos como esse.

“Santa Catarina foi alertada em 2004 por agências externas. Hoje temos uma capacidade bem maior, inclusive avisando outros estados de impactos que eles podem sofrer, por conta dos instrumentos e investimentos feitos ao longo dos anos”, observa o secretário.

O secretário destaca outro aspecto importante na modernização da Defesa Civil estadual: a mudança de cultura. “Hoje é uma estrutura de primeiro escalão de governo, mas além da resposta para eventos climáticos é muito mais voltada para prevenção como forma de proteção do catarinense. A Defesa Civil de Santa Catarina figura, atualmente, como uma das principais, se não a principal estrutura de Proteção e Defesa Civil no Brasil’, afirma o coronel.

Colaboração: Fernando Shock, Paulo Monteiro, Defesa Civil, Corpo de Bombeiros e Governo do Estado

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