Segunda-feira, 20 de maio de 2024

COLUNISTAS

Luiz Gustavo Kabelo

Eu errei

19/12/2023 16h15 | Por: Luiz Gustavo Kabelo

Talvez seja um dos piores pecados dos seres humanos não reconhecer seus erros, achar que, por algum motivo, admitir um erro seja se apequenar. Venho por meio desta admitir um dos meus maiores erros.

Obviamente que reconhecer um erro, muitas vezes, não é o suficiente, mas sim um primeiro passo; depois dessa etapa vem a reparação do prejuízo, que pode ser seguida de um pequeno ato, ou de algo de grandes proporções, de acordo com a dimensão do erro. Felizmente, no meu, caso acredito conseguir amenizar, por meio da escrita contínua desta coluna, o déficit que causei, a mim e a outros.

Provavelmente eu me conforte com o aprendizado que somente a jornada que tracei me fez aderir, também sei que poucos largariam o saudosismo de uma filosofia criada por si para quebrar a cara. Na verdade, o que quero provar é que existe mérito, de alguma forma, em admitir um erro, porque por mais que possa parecer vergonhoso em alguns momentos, também pode ser interpretado como uma evolução.

Essa evolução é vista, não somente, no quesito de desenvolver um pensamento mais arrojado, mas também na inteligência emocional de entender que também erramos, em entendermos que, por certo, nem sempre estamos errados.

Isso pode parecer óbvio para alguns, mas no mundo pós-moderno selvagem, com competição o tempo todo, onde a maioria está sempre mostrando estar sempre muito feliz nas redes, me parece que o óbvio precisar sem dito.

Por muito tempo -começo a admitir meu erro- meu relacionamento com os livros se limitava aos livros teóricos, direto ao ponto: lia o que precisava saber e nada mais. Contos e outras histórias eram tediosas, maçantes! Gostava do que era rápido e prático, apenas o necessário.

Provavelmente, isso era um reflexo da atualidade, em que não podemos perder tempo, tudo tem que ser rápido: vídeos curtos, livros curtos, uma sociedade prática com abordagens práticas, sem subjetividade... algo que, provavelmente, você vivencia na sua vida.

Então, depois de noivar com uma professora de Literatura, vi todos aqueles livros nas estantes, autores famosos e outros nem tanto. Por algum lampejo que não soube muito bem explicar, decidi apreciar um ou dois livros, sem pretensão alguma. Isso foi uma espécie de lazer que me dei, comecei trocando um episódio de série pela leitura.

Acredito que a experiência não poderia ser melhor. Realmente, os livros não eram direto ao ponto, e algumas vezes se tornavam maçantes, mas a recompensa era muito melhor de diversas formas diferentes, já que foi como uma longa caminhada, por vezes o caminho é longo, porém, muito recompensador.

Fez, por vezes, eu repensar a humanidade e a ideia de progresso, porque era simplesmente incrível um escritor russo de dois séculos atrás descrever minuciosamente aspectos da vida que eu vivencio hoje, tanto tempo depois. Cansei de tantas vezes ouvir terceiros falaram de autores, na maioria das vezes difamando-os, por vezes enviesando os seus pensamentos. Então, decidi por ver com meus próprios olhos - uma prática que eu aconselho fervorosamente.

Na verdade, essa coluna talvez seja uma forma que eu encontrei de redenção pelos autores que eu subjuguei. Eles, agora, tornam o meu mundo um lugar com mais sentido e, infelizmente, a maioria já pereceu e terei de me acostumar com a ideia de nunca poder agradecê-los por tanto.

Caso ainda não o tenha feito perceber, aqui escrevo buscando te influenciar a leitura e é claro -não menos importante- te fazer largar de preconceitos, racionalizar o que é trazido por terceiros e pela cultura que nos rodeia.

Também, quero que busque, por conta própria, seus conceitos, para então superar e evoluir. Para isso, sempre será necessário transcender os erros, quebrar a barreira do orgulho e entender que para evoluir é necessário entendermos que erramos. Assim, poderemos não cair em um loop de falhas insistindo em conceitos que não são nada mais que falta de amadurecimento.

Um dos meus erros foi desdenhar a literatura e, com certeza, aparecerão mais. Contudo, quando eu os desvendar, serão incríveis oportunidades para fazer melhor tanto para mim quanto quem está ao meu redor.

 

 

Luiz Gustavo Kabelo

Pensamento superficial inseparável da convicção

13/12/2023 08h23 | Por: Luiz Gustavo Kabelo

Os comentários nas redes sociais, sobre política principalmente, resultam em debates frágeis, repletos de efeitos, embasados em um vazio com pouco ou nenhum embasamento. O que temos no Brasil e no mundo hoje nos leva a uma inércia, uma imobilidade que impede de nos desenvolvermos enquanto sociedade.

Ali, existe claramente uma filosofia do embate, em que encontramos influencers e políticos, -que são quase a mesma coisa- ensinando os sujeitos a retrucarem provocações, ou ensinado seus seguidores a criarem uma “sinuca de bico” para seus opositores. E me digam: qual o valor de uma frase de efeito sem ter algo que a fundamente? Nenhum! E é exatamente isso que é radicalmente viralizado nas redes.

Eu não sei se foi o método científico que aprendi na faculdade ou se sou apenas uma pessoa cética, - provavelmente a união dos dois – mas busco cuidar com o que ponho nas redes, checo as informações, pois acredito que somos responsáveis pelo que criamos e replicamos. Para mim, um dos elementos mais importantes é o bom senso.

Este é justamente um dos problemas: como se ensina o bom senso? Como falar para seu tio, tia ou aquela pessoa que acredita em tudo que vê na internet e que, sem sombra de dúvidas, o que ele compartilhou ou te mostrou na tela do celular é falso?

O grande problema é que se criam convicções, -sem embasamento - e quando a informação chega, e ela tem vínculo com essa convicção, já não importa a fonte, não importa nem a intenção do interlocutor. Assim, o que passar a importar é aquele impulso elétrico de prazer que o cérebro recebe, anestesiando e afagando quem consome o conteúdo.

E daí sai o pior, pois as pessoas acabam concordando com algo maléfico, porque o político em que ela direciona todas as suas frustações, todas as suas desilusões está ali, perdendo de alguma forma, sendo humilhado de alguma forma, dando a tão sonhada satisfação de vingança. Então, nosso vingador se diverte com o circo, e de migalha em migalha vai sendo domesticado. Nisso, as inverdades aumentam junto com o tom de crueldade e nosso “vingador”, já sem filtro, se torna perverso e maldoso.

Mas tudo é feito para tal, para nos transformarmos em bobos, compartilhando ninharias, transformando o debate em algo raso, que não se desenvolve e se solidifica. Eu queria muito citar a deputada que se tornou a maior discípula desse movimento, que eu chamo de movimento do “engajamento maldoso”, mas irei me poupar da dor de cabeça...

O bom senso pode ser praticado de várias formas: ouvindo um podcast confiável, lendo um livro com referências consistentes e, até mesmo, em conversas que girem em torno de fontes verificáveis e conscientes. E, é claro, é possível praticar o bom senso, principalmente, desviando da idolatria.

 

 

Luiz Gustavo Kabelo

É tudo uma questão de Branding!

28/11/2023 16h05 | Por: Luiz Gustavo Kabelo

Após o grande “bum” sobre uma recente ferramenta, penso ser interessante termos uma conversa sobre a influência que a dependência tecnológica tem em nossas vidas. Começo com a questão de que não existe inteligência na chamada “inteligência artificial” que chega ao consumidor, é apenas uma questão de Branding que começou nos anos 50.

Branding é o conjunto de ações de uma marca, os valores e os propósitos que são construídos para criar uma conexão com o cliente, sejam elas conscientes ou inconsciente. Em se tratando de consumo, não necessariamente, ele será de um produto, pois pode também ser de um estilo de vida. Não se trata apenas de qual é o melhor produto, mas sim de qual te desperta propósito, sentido e talvez até mesmo uma certa separação dos demais indivíduos.

Por que estou falando de Branding? No ano de 1955, John McCarthy precisava de dinheiro para financiar seu grupo de pesquisa que tratava do estudo de Estatísticas Multivariadas.  Então, ele bolou um dos melhores nomes possíveis e chamou seu projeto de “Machine Learning”, que no Brasil conhecemos como inteligência artificial. Este talvez seja um dos maiores Branding do século passado que, inclusive, repercute até hoje, pois com certeza é muito mais atrativo chamar o ChatGPT de “Inteligência artificial” ao invés de “programa estatístico multivariado”.

É importante fazer essa diferenciação porque segundo muitos neurocientistas, incluindo o nosso neurocientista mais influente no Brasil, Miguel Nicolelis, não existe nada de muito inteligente nesses Chatbots como o ChatGPT, nada muito de revolucionário ou de diferente do que é usado há décadas por matemáticos e cientistas. O que se cria é uma falsa ilusão de progresso, que pode te fazer comprar cursos e pacotes de IA com medo de estar ficando para trás. Venho aqui tranquilizar seus nervos e falar que “é tudo questão de Branding”.

Não serei hipócrita e dizer que essas ferramentas não facilitam nosso dia a dia, mas não deixam de ser um produto que gera engajamento e te faz correr atrás de algo que, não necessariamente, você precise. Além disso, podem te deixar em uma posição confortável, a qual te impede de se aprofundar em um assunto, te limitando ao básico no conhecimento – aqui, me refiro, em especial, aos acadêmicos e marketeiros que usam o recurso como principal ferramenta para seu oficio-. Assim, dá-se uma grande margem para a mediocridade, ao criar um senso de profundidade que não existe, chegando ao ponto de bancar uma ilusão sobre quem se é e o que se sabe.

É importante perceber o número de vezes que recorremos a essas ferramentas, para não nos tornarmos dependentes, com poucos e rasos conhecimentos. As máquinas não irão nos superar, mas quando nosso conhecimento se resume ao conhecimento dos Chatbots, nos equiparamos a elas. Aí, então, quem sabe seja mais fácil e mais barato ter um Chatbot ao invés de um ser humano trabalhando na sua empresa. 
 

 

Luiz Gustavo Kabelo

Como a sobrecarga de funções impacta o desenvolvimento individual e coletivo de uma sociedade (sobre isso os coaches, não falam)

21/11/2023 16h05 | Por: Luiz Gustavo Kabelo

A fragmentação de tarefas está ficando cada vez mais comum na rotina do trabalhador brasileiro e do mundo. As funções vão se somando no ambiente de trabalho, não apenas para aqueles que tem um emprego fixo, mas também para aqueles que buscam empreender e criar uma empresa. Nisso, acabamos tendo habilidades básicas em muitas coisas, mas temos pouco ou quase nenhum aprofundamento nelas. 

Junto com a onda empreendedora no Brasil, emergem desafios para os quais os coaches digitais não apontam soluções – talvez, nem configurem os desafios como problemas. É fato que o lema “faça você mesmo” não se aplica a tudo, e espero não precisar provar para meu leitor que o horário em que você acorda não definirá o seu “sucesso”.

O processo de início de um negócio acaba sendo muito complexo e se o empreendedor não tem reservas para o empreendimento, tudo piora. No caso dos pequenos negócios digitais há um acúmulo de funções para além do ofício que o prestador deseja iniciar. Neste caso, falo de: edição e criação de vídeos, tráfego pago, design, gestão de perfis, gestão de pessoas, campanhas, network e muito mais. As demandas não param e o pequeno empreendedor acaba atolado de funções as quais ele não domina. E, claro, além do tempo empregado para essas tarefas, precisa dedicar uma parcela da sua rotina para aperfeiçoá-las.

Ao mesmo tempo em que recebemos reforços positivos nos parabenizando por empreender e acabamos felizes com a migalhas de não termos um chefe ou horários, nos iludimos achando que temos algo em comum com os grandes empreendedores que ditam conselhos frágeis e intangíveis para quem está começando. Além disso, nos iludimos desdenhando os direitos que outras pessoas conseguiram para nós com muita luta, achando que nunca iremos envelhecer ou adoecer. Essas ilusões, por certo, deveriam acabar quando ainda éramos mais jovens, caso contrário o preço a ser pago será mais caro do que poderemos pagar. 

Bom, acredito que eu seria um charlatão - como os que acuso - se não apontasse um caminho possível (e não uma solução, pois não sou coach) para você: dívida seu trabalho sempre que puder, os marketeiros estão em todos os lugares, se possível, faça acordos, contrate, peça dicas, pare de perder tempo vendo vídeos na internet. Se você tem a sua profissão e se o tempo te permitir, se aperfeiçoe nela para fidelizar uma clientela bacana. Aquele seu “concorrente”, acredite, ele não é seu inimigo, busque se distanciar deste discurso de que a concorrência é sua inimiga. Quando for oportuno, chame ele para trabalhar, converse e dívida trabalho, não seja ganancioso, pois pode ser que você precise de auxílio quando estiver adoecido, seja de um resfriado comum ou algo mais grave. Como é de costume, você não poderá perder os poucos clientes que tem, então essa parceria pode ser de grande ajuda. Quantas pessoas que me pediram dicas e, hoje, fixo parcerias e todos saímos ganhando, contentes por estarmos realizando nossos ofícios. 

Sempre fui um autodidata, com facilidade para ser básico em tudo, porém, cada vez mais se faz necessário se aprofundar no conhecimento, a internet já está farta de pensamento básico, pouco crítico, me parece que estamos concorrendo o tempo todo, tentando superar os outros em quantidade, mas esquecemos a qualidade. Reflito que valorizamos mais aqueles que são básicos em muitas tarefas do que aqueles que se dedicam a ser bons o suficiente em poucas. São eles, também, vítimas de um algoritmo que necessita ser alimentado constantemente, e ele é um dos culpados por sermos tão básicos, pois é praticamente impossível fazer conteúdo de qualidade, em massa, em tão pouco tempo e com tanto volume. 

A ansiedade nos assola quando temos uma pluralidade de funções que precisamos exercer, e no ambiente de trabalho fixo não é diferente. Para enxugar gastos, o médio empresário, assim como o pequeno, busca economizar fragmentando seu funcionário, fazendo-o exercer diversas funções ao invés de presar pela qualidade e como dissemos antes, desenvolver o oficio do indivíduo. Assim, é fácil transformá-lo em um super-quebra-galhos-corporativo e invés de investir e elevar a empresa, mantêm os funcionados na linha do básico, atolando-os de tarefas e os impedindo de se desenvolver. 

Isto não é falta de educação financeira nas escolas, não é falta de aulas de empreendedorismo e sim é a disseminação de uma cultura do básico e do acúmulo e da fragmentação de funções que está se instalando - se já não se instalou - em nosso país. É necessário um planejamento de longo prazo, investimentos na ciência e na educação, pois nossos grandes cientistas brasileiros são mais valorizados em outros países do que aqui, o que reflete o que estou falando aqui desde o início: o que vai além do básico não é valorizado, o que demanda senso crítico e tempo não é valorizado. Mas até mesmo a crítica, quando carregada de superficialidade, é vazia, é simples, é rasa, beirando à mediocridade.

O raso é uma posição confortável: é o obvio que, muitas as vezes, é travestido de genialidade para desavisados e vendido em livros e cursos, ou simplesmente usado para ganhar engajamento. É um desafio sair do senso comum depois de ser atolado por funções, seja na empresa ou em atividades domésticas. Todos precisamos da possibilidade de sair do básico, entendo que muitos não o fazem por falta de possibilidades e não cairei na falácia da meritocracia aqui. Mas, almejar o crescimento pessoal e coletivo é necessário para nos desenvolvermos como sociedade. 

 

 

Luiz Gustavo Kabelo

Tendências efêmeras: a fragilidade do conteúdo na era das sombras digitais

14/11/2023 16h00 | Por: Luiz Gustavo Kabelo
Imagem feita por IA

O século XXI é marcado por certezas passageiras e por verdades transitórias que podem mudar, por exemplo, com o próximo vídeo rolado nas redes sociais. Trazendo para a nossa realidade – pois é daqui que falo-, nós brasileiros vivemos em uma liquidez de ideias, amores e paixões passageiras ditadas por sabe-se lá quem; alguns dirão que sabem, mas isto não vem ao caso. 

Na chamada era da internet precisamos, de uma forma ou de outra, criar conteúdo. Todavia, me parece que a palavra “conteúdo” está perdendo seu valor. Para transpor meu entendimento sobre o tema, preciso trazer uma definição: Conteúdo é o conjunto de valores, conhecimentos, habilidades e atitudes que alguém deve ensinar para garantir o desenvolvimento e a socialização do indivíduo. Mas, noto que a grande massa de criadores de “conteúdo” não está preocupada com o desenvolvimento do indivíduo, mas sim em reforçar pressupostos para, então, “mimar” sua audiência e conseguir mais engajamento. Assim, cria-se bolhas as quais nunca são confrontadas e, quando são, os usuários e criadores agem na defensiva. Graças aos algoritmos, tem-se um bombardeio diário com o mesmo tipo de conteúdo, em que se cria uma ilusão de que o seu pensamento é comum a todos e, aqueles que estão à margem dos dogmas criados, julga-se que essa pessoa está agindo de má fé, do lado maléfico e errado – está aí um dos muitos pontos sobre a polarização que vivemos em nosso país. 

Os efeitos mais arrasadores do que estou falando é, por exemplo, a negação de um resultado democrático atingido através do voto. Acontece que em nosso país – e não somente nele- esse mecanismo de criação de “conteúdo” atravessa até o meio político. Hoje vemos deputados, vereadores e qualquer pessoa em um cargo político criando “conteúdo” para a internet. Depois de tantos reforços e colaboração com as bolhas e com seu nicho, o criador obtém seguidores cegos e sem senso crítico, pois o seguidor já foi mimado por dias e anos com materiais que reforçam seus desejos, conforta suas feridas e culpa fantasmas para tudo que deu errado em sua realidade. Cria-se, assim, as tais sombras da caverna de Platão. 

Para relembrar, o Mito da Caverna é uma parábola criada pelo filosofo grego Platão, que descreve uma caverna onde prisioneiros só veem sombras projetadas na parede e acreditam que elas são a realidade. Em dado momento, um prisioneiro é libertado e descobre o mundo exterior, mas é rejeitado pelos outros quando tenta compartilhar a verdade. O mito é uma metáfora para a busca pelo conhecimento e a verdade além do mundo sensorial, e uma crítica ao conhecimento limitado e ao dogmatismo.

Acontece que os homens que estavam presos nas cavernas não estavam apenas presos fisicamente, mas sim presos em um loop de pensamentos ilusórios. Isso é exatamente o que acontece na grande massa de “conteúdo” das redes, mas a diferença é que hoje as sombras são divididas por nichos e modas que assombram cavernas (bolhas) diferentes, e qualquer um que ouse transpor essa ilusão será massacrado pelos homens que ainda estão na caverna. Essa alegoria, que contém mais de dois mil anos, e ainda é capaz de retratar realidades, me faz repensar se realmente estamos evoluindo como espécie ou se estamos apenas passando os anos e criando ídolos...

Agora, por que, no começo do texto, eu chamei essas certezas de passageiras e de liquidas? Porque existem modas de pensamento. Acontece que algumas dessas bolhas, excepcionalmente a bolha política, inicia crises cíclicas: um exemplo são as experiências ditas liberais aqui em nosso país, pois a partir do ano de 2014, alguns políticos, e como exemplo o nosso Ex-presidente Jair Bolsonaro, defendeu, aos longos de décadas, ainda como deputado, a estatização e o período militar. Mas relembro que, durante este regime, foram fundadas estatais e, as que já existiam, foram ampliadas. Porém, quando o Brasil passou pela moda de pensamento liberal, Jair aderiu a moda que mais criava engajamento no meio político: o liberalismo. O período militar do qual Bolsonaro se orgulhava foi responsável pela grande expansão da Eletrobras, mas, com a moda da onda liberal, Jair se esqueceu de seus princípios estatais e não hesitou quando privatizou a mesma empresa que seus ídolos expandiram. Curioso, não? Mas este movimento não aconteceu apenas em nosso país, mas também em diferentes momentos em vários países, como no Reino Unido, que hoje corre tentando (re)estatizar seu transporte público. O que quero salientar é que necessitamos de senso crítico e de um estudo aprofundado, porque quando temos um conteúdo pouco aprofundado, tendemos a ser suscetíveis às modas criadas seja por quem for, já que são inúmeros os exemplos. 

Para mim, o aspecto político é onde a falta de pensamento crítico e as modas de pensamento causam mais déficits. Mas, por óbvio, ela também existe em outras esferas, como no meio musical, onde a indústria da música passa por tendências em que os artistas de uma época têm mais semelhanças do que diferenças. Ou em tendências de roupas que servem para que você troque seu guarda-roupa por algo mais “atual”, gastando uns bons trocados. 

Obviamente, ainda temos aqueles que buscam e estudam para criar um conteúdo de qualidade que agregue e ajude as pessoas a se desenvolverem. Porém, essa busca e estudo acaba se tornando um nicho pouco lucrativo e que necessita de grande perseverança. 

Quando as sombras se saturam e se mostram impraticáveis, quando a realidade começa a emergir, ela é trocada por outras sombras ao invés da luz. O conteúdo sem conteúdo que leva à nulidade, ao invés de ser trocado pela realidade é trocado por outra sombra, e acabamos vagando de escuridão em escuridão.
 

 

Luiz Gustavo Kabelo

Mentiram: você não é racional

07/11/2023 18h15 | Por: Luiz Gustavo Kabelo

Diante de tantos vícios, homicídios e fome, me parece prepotência chamar o ser humano de racional, pois vamos contra a lógica, contra nossos deuses, contra a natureza e contra as ciências. Mas, ainda assim, nos apontamos como seres racionais. Irônico, não?

São tantas provas filosóficas e reflexivas de nossa irracionalidade que eu não sei por onde iniciar... me sinto como um doutor em física tendo a tarefa de explicar o formato do planeta. Mas acredito que esse exercício será um tanto interessante e pragmático e eu acredito que essa seja uma reflexão a qual vale a pena, tanto para mim quanto para meu leitor.   

É fácil entrar em uma linha na qual o homem se faz protagonista, já que nos espalhamos por todo planeta, criamos smartfones, bombas e até os astros da internet. Mas não levamos em consideração nossas irracionalidades, pois as tratamos como patologia, surto ou algo particular de uma pessoa. O trauma se torna individual, exclusivo de um indivíduo, que por conta de seu diagnostico, pode até ser excluído de uma sociedade ou escondido em um prédio.

Fichte diz: “O sentido da espécie humana não consiste apenas em ser racional, mas em tornar-se racional”. Usamos o argumento de que somos racionais como ponto definitivo, ponto de estadia vitalícia e até mesmo como aval para atrocidades contra nossa própria espécie e contra outros seres vivos. Porém, não se nasce racional, se faz racional. Quem não se compreende perfeitamente e permanece um ser enigmático para si próprio está mais perto da chamada “racionalidade”. Aquele que pergunta pela essência do homem se torna, então, concreto e a concretude não se faz do dia para noite, ou de um uma primavera a outra, mas se faz como exercício constante. 

Para mim, o ápice da nossa irracionalidade são os esforços desenfreados para destruir o que assegura nossa existência, com intenções de curto prazo. A preservação do planeta é deixada de lado em detrimento de tecnologias ultrapassadas que condenam o mundo em que vivemos. Ou, ainda, esforços exagerados pelas aspirações individuais e financeiras. Como as queimadas que não cessam para um grupo enriquecer, os garimpos ilegais em que é feita vista grossa -me pego refletindo sobre o que pensamos que iremos deixar para nossos filhos e netos. 

Os seres humanos não pode ser só contradições; precisamos racionalizar tudo o que acreditamos para então aplicar em nossas vidas e programar como viver melhor com aquilo que podemos fazer. 

Por fim, quero deixar uma frase de Nietzsche que sintetiza tudo que foi escrito aqui: “O homem é corda estendida entre o animal e o Super-homem: uma corda sobre um abismo; perigosa travessia, perigoso caminhar; perigoso olhar para trás, perigoso tremer e parar”.

 

Luiz Gustavo Kabelo

Escravo de si

31/10/2023 12h37 | Por: Luiz Gustavo Kabelo

Cada sujeito cria uma realidade dentro de si: categorias que se estendem para além dos preceitos mais genéricos condidos em livros. É um mundo para cada sujeito, com aspectos subjetivos únicos. Porém, muitos destes aspectos nos distanciam do tão desejado e completo funcionalismo psíquico.

Não é segredo que alguns tendem a trazer uma quantidade maior de subjetividade para suas vidas, e com subjetividade quero dizer: aspectos pessoais para situações coletivas, sentimentos que podem vir a toda com o contato, por exemplo, com objetos que podem despertar sentimentos diferentes em cada sujeito. Essa separação cria pequenos universos em cada um... Num viés mais cômico, é o próprio multiverso idealizado por Stan Lee em seus quadrinhos. 

Logo, se a física que conhecemos se comporta de forma diferente em partes diferentes do universo ou nas suas frações, por que no universo que cada indivíduo vivencia normaliza-se uma certa metodologia genérica? Por óbvio, o mundo fora do sujeito o afeta, mas quem ressignifica os fenômenos é ele mesmo. Desse modo, um confronto direto - como em uma discussão raivosa - não afeta as bases das suas suposições, ou seja, pouco ou nada altera as convicções que o movem.

Digo isso pois, da mesma maneira que estudamos algo mais teórico ou empírico, seja como for construído esse conhecimento, não será de uma hora para outra que iremos nos desfazer daquilo que solidificamos em nossa psique. Da mesma forma que um acadêmico embasa um artigo científico, um sujeito com sua psique, construiu e embasou todos os seus medos e verdades. Ao mesmo tempo que constrói os fenômenos, também constrói as defesas do eu - por este motivo é comum pessoas agindo na defensiva.

Pensando de uma forma mais informal, acredito que os mecanismos mercadológicos também corroboram para essa forma defensiva de agir, pois existem fatos que colaboram para essa “defesa”, como a concorrência para uma vaga melhor no trabalho ou o risco de ser descredibilizado por visões de mundo diferentes. 

Em um mundo pós-moderno e pouco coletivo, me parece cada vez mais difícil haver uma abertura para o reconhecimento de questões internas, que podem corroborar, também, para a pouca abertura a questões coletivas. Entendo que se fechar para o mundo é como se fechar para a vida e toda sua diversidade. Essa tendência piora quando há sintomas fisiológicos e eles são mascarados por medicamentos, os quais o acesso é cada vez mais facilitado - o que reforça a minha tese mercadológica. A funcionalidade de um sujeito nem sempre exclui a possibilidade de patologia.

Ainda, é importante ressaltar que ao mesmo tempo que o médico e o psicólogo precisam levar em conta o fator fenomenológico, o paciente também deve ser conscientizado sobre tal, pois isso acarreta o seu bem-estar. 

É preciso compreender o sujeito como um ser completo, moldado também pelo seu contexto, história e fenômenos subjetivos. Devemos valorizar o que é sentido, porque nem tudo que acessamos é construído racionalmente, pois existem as experiencias subjetivas. Assim, é preciso adentrar, na medida do possível, mundo do outro para então compreendê-lo.

    
 

Luiz Gustavo Kabelo

Luto

23/10/2023 14h21 | Por: Luiz Gustavo Kabelo

A perda é uma das experiências mais desoladoras que podemos vivenciar. Por vezes, ela tira o chão, porém traz consigo muito aprendizado e sabedoria. Hoje vamos conversar sobre o luto.

O luto pode afetar dimensões físicas, sociais, psicológicas e espirituais, pois ele não acontece apenas na perda de nossos entes queridos. Mas, também na perda de um relacionamento, de uma habilidade e por vezes de tudo aquilo que traz um déficit em nossas vidas que pode, ou não, ser irreversível. 

O luto é um processo contemplado por três fases: negação, adaptação e aceitação. Na negação hesitamos na possibilidade de viver sem o objeto do luto, podendo até acusarmos a espiritualidade ou a Deus por ter nos arrancado o que faz tanta falta. Na adaptação começamos a projetar uma aceitação, retornando a rotina e entendendo que o mundo fora do luto não cessou. E, por último, a aceitação, em que superamos a perda mas, não necessariamente, a dor ou o vazio acabam.

É importante frisar que, em um ou dois meses da perda, se o sujeito ainda continuar com humor deprimido, um humor que não aparecia antes do luto, é necessário buscar ajuda psicológica. Ainda, crenças e práticas religiosas podem facilitar o enfrentamento do sofrimento. 

O mais importante é o acolhimento dos familiares e amigos, além de ficarmos ao lado daqueles que amamos em momentos tão difíceis, pois uma rede de apoio é fundamental neste momento. Passar pelo luto é difícil, mas a vivência dos rituais fúnebres é fundamental para que o cérebro se adapte e entenda a perda, aprendendo a ressignificar memórias.

Esta coluna é uma homenagem ao meu amigo Fabrício Izidoro Aurélio (Tabito), que depois de tantos ensinamentos me deixou um último: conviver com o Luto.

 

Luiz Gustavo Kabelo

Mães narcisistas

10/10/2023 16h06 | Por: Luiz Gustavo Kabelo

No Brasil - e talvez em uma proporção global - estamos em um momento de patologização da vida. Seja nas escolas ou nas casas, é difícil fugir dos laudos “interneteiros”. Assim, nem mesmo as mães escapam da última moda brasileira.

Em termos gerais, uma pessoa narcisista ou com transtorno narcisista tende a ter uma dependência de afeto, a precisar constantemente de afago em seu ego ao mesmo tempo que não se preocupa com a necessidade dos outros. Esta é uma rápida definição que você pode encontrar facilmente na internet, em vídeos rápidos e sites que fortalecem uma definição mais genérica. Acontece que, na realidade, diagnosticar uma pessoa com um transtorno é um processo lento, que envolve mais de um profissional. É muito comum um indivíduo ter uma ou mais características de um transtorno, porém, não fechar todos os pré-requisitos para um diagnóstico.

Os narcisistas existem e realmente há mães narcisistas; porém, esse desenrolar me faz pensar que há um déficit no desenvolvimento destas relações. Falta assistir essas mães por outra ótica além do papel materno, pois ali existe uma pessoa que antes de ser mãe, se constitui como sujeito, com suas demandas e individualidades que parecem desaparecer quando usamos o termo “mãe”. Uma dose de abstenção de seus desejos para a satisfação dos desejos do filho obviamente é normal, mas quando essa mulher se volta aos seus próprios desejos me parece que ela é, em alguns casos, realmente julgada e até mesmo “taxada” erroneamente como narcisista. Como já alertei em outros textos, essa massa de conteúdo existe para gerar engajamento, e como podemos ver, as mães também foram afetadas por esse esforço para ganhar alguns likes. Eu acho um tanto covarde este tipo de conteúdo, que é veiculado sem orientar o público sobre o processo e a importância de um diagnóstico feito por um profissional. Mas, para aqueles que o fazem minha crítica não se faz valer.

Ao mesmo tempo, percebam que não existe um movimento tão grande sobre pais narcisistas. Parece-me que o pai tem o “aval” para se preocupar mais consigo e se isolar de alguma forma, enquanto a mãe “perde” esse poder e essa individualidade na maternidade. Em certos casos, aparenta ser um movimento um tanto fácil chamar a mãe de narcisista quando ela não atende suas demandas e desejos.

Mas, é claro, o caráter narcisista existe e deve ser considerado com cautela, fugindo dos modismos da internet. Se o seu caso for de uma mãe/pai narcisista, busque terapia e acompanhamento psicológico, porque será muito difícil levar um narcisista para este caminho. Busque cuidar da mente e ser orientado por especialistas e artigos confiáveis.

 

Luiz Gustavo Kabelo

Cirurgias plásticas e transtorno dismórfico corporal

03/10/2023 16h30 | Por: Luiz Gustavo Kabelo

Para além do cuidado ou satisfação com a própria imagem, a preocupação excessiva com aparência física pode vir a se tornar algo patológico. Pensamentos obsessivos, delirantes ou incontroláveis sobre alguma questão real ou imaginária relacionadas às partes físicas dos indivíduos podem retratar características de transtornos mentais, como o Transtorno Dismórfico Corporal.

Com o desenvolvimento de tecnologias e investimentos na área de estética, passa a ser cada vez mais comum no ambiente brasileiro pessoas que aderem às cirurgias plásticas e aos procedimentos estéticos. Hoje, nosso país está no top 1 mundial em número de cirurgias plásticas, com aproximadamente 15 milhões de cirurgias ao ano. Atualmente, o maior público das cirurgias são as mulheres. Além disso, há outro ponto importante a ser considerado: os procedimentos aquecem um mercado que tende a crescer cada vez mais, aumentando, assim, seus números.

Esta questão econômica acaba desconsiderando fatores relacionados à saúde mental. Temos a prevalência de pacientes que aderem às cirurgias com Transtorno Dismórfico Corporal (TDC), que varia de 6% a 24%, podendo chegar a 53% segundo o artigo “Compreendendo a psicopatologia do transtorno dismórfico corporal de pacientes de cirurgia plástica: resumo da literatura”. Aqui, é evidente a importância do acompanhamento médico e psicológico dos pacientes. Para conhecimento, o TDC retrata um indivíduo que, mesmo em frente a um espelho, ou uma balança, não consegue discernir ou acreditar que está tudo bem com seu corpo. Este transtorno é uma das condições psiquiátricas mais comuns encontradas em pacientes que procuram cirurgia plástica. De maneira geral, ainda segundo o artigo, os pacientes com TDC tendem a ficar insatisfeitos com o resultado das cirurgias, o que afeta mais ainda a autoestima, o que faz com que voltem a sala de cirurgia, aquecendo ainda mais o mercado.

É importante, também, pontuar a diferença do TCD para outros transtornos. O transtorno está relacionado com a proporção de membros e não necessariamente com o índice de gordura. Homens, em geral, estão mais propensos à obsessão da constituição corporal, como quantidade da massa muscular, proporção genital e queda de cabelo. Nas mulheres, tem-se a preocupação com seios, pernas, nádegas, quadris e excesso de pelos. Em cada cultura o foco do transtorno se volta para uma parte do corpo, estando isso também condicionado às pressões midiáticas e como são vistos os corpos femininos e masculinos. Por certo, indivíduos com outros transtornos também podem aderir aos procedimentos, como no transtorno de personalidade narcisista, que buscam nos procedimentos sua necessidade de grandiosidade e admiração.

Segundo o artigo relatado nos parágrafos anteriores, é necessário bom senso e acompanhamento psicológico dos pacientes que pretendem fazer cirurgias plásticas, caso contrário, esses pacientes estão propensos a procurar novas cirurgias. É necessária, também, a ciência dos médicos sobre tais transtornos. Os médicos têm a responsabilidade de avaliar cuidadosamente os pacientes em busca de sinais de transtornos mentais, garantindo que ela seja uma prioridade em qualquer procedimento.

A psicologia busca nos alertar sobre os transtornos e a filosofia sobre os padrões de beleza e a ética dos procedimentos. Devemos promover a discussão saudável da imagem corporal, garantindo que as cirurgias plásticas sejam realizadas com ética e com plano de apoio para o bem-estar dos pacientes. Assim, buscaremos nos proteger de tendências mercadológicas promovidas para fomentar um mercado em ascensão.

 

Luiz Gustavo Kabelo

Além do Eu

Luiz Gustavo Pereira é compositor e escritor com dezenas de trabalhos lançados por bandas e sua produtora. É acadêmico de Psicologia e foi um dos fundadores da Liga Acadêmica de Saúde e Espiritualidade (Lasesp) e é membro da Liga Acadêmica de Psicanálise (Lepsic).

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